segunda-feira, 8 de abril de 2013

A salgada água do choro

Eu pensava que só poderia se lavar de lágrimas quem chorasse e tomasse banho ao mesmo tempo. Ato que muitos praticam durante um momento de desespero ou infeliz, onde o choro se mistura com pingos vindos de uma caixa d’água qualquer. Pois bem. A sexta-feira, que até as três e pouca da tarde parecia corriqueira, reservava uma cena comovente de uma história difícil.


Como de praxe, ao entrar no trem, sento-me no chão (o que é errado) e me abrigo até o meu destino. Se estou rumando ao trabalho, a estação Mercado. Se estou retornando após a atividade profissional ou da aula, a estação Fátima, em Canoas. Hoje, por ironia, embarquei na estação Rodoviária, e, junto com o cara cansado devido a semana, uma mulher conhecida ao meu olhar. Berenice*, uma mãe que aparenta uns 38 anos. Mãe porque tem o Artur*, de seis. A história dessa guerreira é bem conhecida pelos usuários da Trensurb. O Artur sofre de intolerância a lactose. O guri precisa de um leite especial que custa em torno de 70 reais e que dura aproximadamente três dias. Ela sempre pede ajudas e em troca oferece objetos, como canetas, lixas de unha, cartões com mensagens bonitas, balas e chicles. Hoje, nessa tarde de intenso vento, ela entrou no vagão que me encontrava sem os tais objetos e chorando compulsivamente. Berenice começou o seu discurso conhecido por muitos. Na medida que ela relatava a história e fazia os pedidos de ajuda, as lágrimas aumentavam freneticamente, proporcionando uma atenção maior dos passageiros. Menos de um, que encontrava-se ao meu lado. Um homem de barba por fazer que usava sapatênis. Berenice narrava e ele dizia para si: “Essa aí deve estar rica de tanto que pede ajuda aqui.” A frase que pra mim soou de forma mesquinha, fez me lembrar de que durante a semana, vi uma montagem que está sendo compartilhada por esta rede social que usamos. A foto continha a seguinte frase: “Meu filho tem intolerância a lactose”, no perfil “Trensurb Depressão”. Ao mesmo tempo que me lembrava do deboche virtual, via o homem de sapatênis atento a história e ao choro de Berenice, que aumentava cada vez mais. Tinha um motivo. Devido ela pedir ajuda e em troca oferecer os famosos objetos há mais de anos nos vagões, a mãe do Artur foi denunciada hoje por comércio ilegal, e dela foram tomadas centenas de canetas. Nas vezes que a vi pedindo a atenção e ajuda, via apenas uma mulher que parecia ser sincera, com expressão cansada e que sabia se equilibrar muito bem durante as viagens. Nessa sexta vi uma mulher aos prantos e desesperada devido a tal situação. O choro dela era tão enorme, profundo e sofrido, que as lágrimas já tomavam conta de seu pescoço, ombros e peito. Parecia que ela tinha se banhado, só que não de água limpa, e sim de uma água salgada e nada efêmera. A água do choro. Não teve como não se comover com a situação que a mãe do Artur passava hoje. Fiz o mínimo de alcançar uns trocados que não me fariam falta alguma. Uma mãe que não tem como ter um emprego fixo e que abdicou da vida por causa do filho. A sexta-feira cansativa que tinha tudo para ser mais uma em minha vida, terminou com um “Deus te abençoe e desculpa por não ter nada para dar hoje”.

Ora Berenice, tu me deu algo sim: a oportunidade de dar a atenção devida a alguém, e de quebra, a de ajudar.


*Escolhi Berenice e Artur, pois nunca perguntei os nomes. Um erro.