sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Não reclame

No ano de 1916, em Porto Alegre, se tu descesse de um bondinho qualquer e resolvesse tirar a camisa, tu seria autuado por um guarda militar. Se além da camisa de colarinho engomado, tu também tirasse a calça de tergal bem alinhavada por um alfaiate da Duque e ficasse de ceroulas, tu seria detido. E a mulher então? Se ousasse em mostrar os joelhos com uma saia adequada? Qual seria a fama dela?

Não fazia este inferno na cidade portuária desde quando Charles Chaplin sequer tinha assinado contrato como ator, diretor e muito menos pensava em criar Carlitos. 

Não reclame do clima de 2014. Tire a camisa. Use saia míni-minúscula. Ande nu.

Porto Alegre

Em dia que não se tem ônibus circulando na capital devido à Greve dos Rodoviários, um homem de meia-idade que usava muletas é atropelado por um ônibus na Borges de Medeiros. Vítima fatal. 

Porto Alegre, tchau.

Siga o conselho

Cresci com minha vó dizendo que "palavra tem força criadora".

Então meu senhor, minha senhora, pare de dizer no trem que "tá calor". Além de ser um assunto óbvio e estar errada a conjunção, você vai atrair mais e mais calor, segundo a Dona Tereza.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Decepção

Escuto o love theme de "O Poderoso Chefão" na tevê da sala. Estou no meu quarto. Paro tudo o que estou fazendo e matuto: "Não, não pode ser que o canal 12 (está sempre ligado por causa da minha vó Tereza) vai passar o filme mais absoluto do cinema." 

Enquanto isso a trilha magistral e tocante de Nino Rota ia invadindo minha casa e dominando quiçá meus vizinhos. Já se passavam 12 intermináveis segundos, até que tomei a difícil decisão de me levantar e ir até a sala. Quando chego na mesma pego o "neste sábado!" estampado na tela. Em meio segundo já calculei que a emissora passaria o longa após um programa muito divertido que dá após a novela sábado à noite. Minha alma começara a sorrir. Eis amigos.

Depois de mais uns segundos de pura expectativa, enfim, a verdade. Aquilo tudo era uma chamada do Anonymus Gourmet, que neste sábado será especial comida italiana.

Fim.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Prece

Tiros, tambores rufando, shows musicais, pintura de corpos no asfalto, comerciantes e imprensa em peso.

Homenagem ou evento?

A melhor maneira de prestar carinho, radiar luz ao espírito e homenagear um ente querido que partiu para um lugar muito melhor em que vivemos é e sempre será fazer uma boa prece. Mas bem feita. 

Silêncio.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Há seis anos a indústria cinematográfica perdia uma joia rara


Eu me lembro muito bem daquela noite. Noite que o mal vestido do Zeca Camargo anunciou no Fantástico a morte do Heath Ledger, ator que a crítica e fãs do super-herói Batman caíam em peso, dizendo que “como um cowboy veado (ator interpretou um gay em O Segredo de Brokeback Mountain) poderia viver nas telonas um dos vilões mais maquiavélicos, insanos e cômicos das história em quadrinhos?”

Me lembro muito bem também que foi a primeira vez que vi o teaser do filme, que estrearia apenas em meados de junho – a película já estava pronta só no aguardo da data comercial. Me lembro que me choquei ao ver aquela aparência esdrúxula e borrada, totalmente ao contrário do perfeito Coringa interpretado pelo deus chamado Jack Nicholson, em Batman (1989).

Quando o apresentador disse na sua primeira frase que o ator tinha falecido na madrugada de segunda para terça por overdose acidental de medicamentos, não acreditei. Achei que era mais uma estória da carochinha e que o rapaz, de apenas 28 anos, já pai de uma linda menina, era um drogado. Me equivoquei por completo.

Lembro-me também que em abril, dois meses após sua morte, o cinema da cidade onde moro já expunha um cartaz digno de festival de Cannes e de tamanho superior a cinco metros de altura - sim, eu disse cinco. Achei o cartaz um tanto quanto chamativo e bonito. Bem feito. Comecei a me interessar mais de o porquê daquilo tudo e a cada semana que se passava eu estava mais ansioso para ver o longa.

Chegou junho. Chegou o dia da estreia na sala escura. Me lembro que fui com meu grande comparsa Jairo e que compramos a melhor pipoca já feita num shopping. O filme começou e logo de cara aquilo tudo. Cenas bem editadas, trilha absurda de Hans Zimmer, fotografia, e claro, a atuação inicial de Ledger, que já em sua primeira tomada mostrou o por quê daquela minha curiosidade. O porquê daquele auê todo. Bom, o resto nem preciso citar mais. Acredito que muitos tenham olhado aquela obra em 2008.

Hoje faz seis anos que um ator, que arrebentou a boca do balão e ganhou notoriedade em "10 Coisas Que Odeio Em Você", visibilidade em "O Patriota", bastante dinheiro em Coração de Cavalheiro, respeito na Academia com O "Segredo de Brokeback Mountain" e que, simplesmente teve uma das melhores quebras de paradigma e carisma em "O Cavaleiro das Trevas", morreu sem querer, bem como aqueles tiques de se lamber, ajeitar o cabelo e bater palmas enquanto interpretava o vilão Coringa. Um ator que mergulhou fundo em seu personagem obscuro e psicótico. Que se doou por completo em seu trabalho – esta foto mostra um pouco disso.

Ganhou Oscar póstumo em 2009 e diversas homenagens pelo mundo, porém uma estatueta de apenas 30 centímetros não vale nada perto de uma das atuações mais primorosas, arrepiantes e empolgantes da Sétima Arte. Sem dúvidas, naquela madrugada de terça-feira, a industria cinematográfica perdeu uma joia rara, que ainda lhe renderia frutos por muitos anos.

OBS: quando questionado sobre a morte de Heath, Jack Nicholson, que viveu já viveu o personagem e enriqueceu por isso, solta sem pudor e com deboche: “Eu avisei que era barra fazer o Coringa!”

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Trocaria uma matéria por duas palavras

Sábado tive o prazer de pegar um táxi com o Cristóvão. Durante a viagem, que tinha como destino o centro de Porto Alegre, contei rapidamente que achei um celular sofisticado na última quinta-feira, numa festa na Cidade Baixa. Comentei também que o dono não teve a temeridade de me contatar e que quem fez a “árdua” tarefa foi o pai do guri. Ele me interrompeu:

- Sabe aquele taxista que achou os euros ano passado ali no Centro?
- Sim!
- Fui eu. Nem um muito obrigado recebi. Poderia estar com umas 15 frotas de táxi agora, gozando férias em Bruxelas com minha esposa. Sabe o que recebi de agradecimento?
- Não – pasmo.
- Deboche e matéria na Zero Hora.

Voltando para minha história. Na manhã de sexta, o pai do guri entrou em contato comigo às 07h da manhã – horas depois da festa em que seu filho estava. Perguntou meu nome, se iria devolver, onde eu trabalhava e morava. Respondi tudo pacienciosamente. O senhor, um tanto quanto alterado, exclamou do filho. Que ele era um irresponsável e tudo mais. Não disse nem que sim nem que não. Fique mudo, claro. Perguntou se ele poderia ir até meu local de trabalho e pegar o celular. Disse que sim e que estaria no aguardo dele até às 14h. Esperei. Ninguém apareceu. Peguei o aparelho e fui pra casa. Passou sexta e nada. Passou sábado e enfim um contato comigo foi feito à noite. Era o próprio. Era o dono do celular. Entrou em contato por aqui mesmo (Facebook). Perguntou de onde eu era. Eu disse que era de Canoas. Ele mostrou o primeiro sinal negativo.

- De Canoas? Bá, muito mão (risos)!
- Se quiser podes pegar o trem e eu te alcançar na minha estação – disse eu.
- Não, muita mão. Tu vem pra Porto hoje?
- Não, apenas na segunda-feira.
- Ah, beleza. Segunda falo contigo.

Passou o final de semana. Segunda, ontem, fui trabalhar, como de praxe - sou brasileiro e não desisto nunca. Pensei que algum contato seria feito comigo ainda pela parte da manhã. Pensei. Veio a tarde, veio o Cravo e a Rosa, veio a Sessão da Tarde. Nada. À noite convidei uma amiga para ver um filme, em Porto. Antes das luzes e meu celular serem desligados, decidi mandar uma mensagem para o menino do celular, pois afinal eu estava na sua cidade e imaginei que ele poderia ir buscar – já estava mais fácil pra ele. Mandei “Estou em Porto, no shopping Moinhos. Ficarei até às 21h.”

Imediatamente me respondeu no chat desta rede social. “Ok, vou ver com o pai!”. Assisti o filme e liguei o celular novamente. Tinha o seguinte inbox: “Cara, vou mandar um motoboy pegar no teu trabalho. Mais fácil!” Respondi com um “ok”.

Chegou terça (hoje). O motoboy apareceu no meu trabalho e pegou comigo. Não falou nada. Apenas perguntou meu nome e ergueu a mão. Eu disse o nome que meu pai deu para mim e alcancei o aparelho sem muito afeto – não esperava que o motoqueiro fizesse ou falasse algo. Ele é motoboy. Pago para ser ágil e eficiente.

Passou a tarde, passou O Cravo e a Rosa, passou a Sessão da Tarde. Entrou noite. Até agora nenhum sinal de resposta foi emitido. Nenhuma palavra positiva chegou até mim. Nenhum esforço chamado “muito obrigado” chegou até Canoas ou via celular.


Lembrei-me do taxista. Lembrei da matéria no jornal. É claro que não merecia se quer uma notinha no jornal mais fuleiro da região, porque afinal ser honesto é dever do ser humano. Uma obrigação. Não é qualidade e nem merece ser pautada. Mas confesso que trocaria tudo, mas tudo por um sorriso, um aperto de mão, uma frase de duas palavras, um muito obrigado afortunado deste rapaz, que deve estar em casa agora, assistindo BBB.