quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A vida é um cheiro

Não, não é perfume. É cheiro mesmo. Cheiro de lembranças.

Cheiro de filme da locadora de VHS nos anos 90. Cheiro de batata frita que a mãe da gente fez naquela tarde de 98 após os 3 a 0 da França. Cheiro da grama cortada na casa do amigo e depois uma bola jogada na mesma. Cheiro de um antigo amor (ou atual) que gera recordações no teu dia-a-dia. Cheiro de chuva. Cheiro de novo. Cheiro de feijão novo em casa ao meio-dia depois da aula no fundamental.

Cheiro de bebê - o melhor cheiro. Cheiro de gente velha - o maior cheiro. Cheiro do café recém parido quando se acorda – o cheiro que levanta defunto.

Cheiro é uma sensação. Um estado de espírito. Te remete a lembranças boas e ruins.

Cheiro de enchente e tu correndo pra salvar teu vídeo-game recém ganhado no Natal. Cheiro de cocô de gato e teu primo renegando Super Mário World para um guri fominha.

Cheiro de bolinho de chuva da tua vó, que após três cirurgias complicadas na vida, tem o dom de deixá-lo invadir a casa com aquele aroma, deixando seu neto com a vontade de gritar para a rua que ele tem o melhor cheiro do mundo em seu lar nesta noite molhada:

o do bolinho sendo frito e o da vó mais cheirosa do mundo.

Ilusão

Ela me secava com um olhar doce
Parecia flutuar a cada passo
A distância entre eu e ela ia diminuindo
E sua boca a se esticar cada vez mais
O sorriso dela estava ficando largo
De orelha a orelha, como dizem
O ohar? Já me tomava por inteiro! 
Enchi meu peito 
Dei um jeito na postura curvada

Até que descobri que tudo isso
Era por eu estar de guarda-chuva aberto
Debaixo da marquise da Estação Farrapos.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Tem beijos e Beijos


Estava de ressaca - como sempre. Era início da tarde de sábado. Cervejas, ar-condicionado, amigos e uma noite de puro axé (estamos em fevereiro) te proporcionam isso. Me lembro de meu corpo nocauteado na cama. Sem forças para ir ao banheiro e dar sequer aquela urinada monumental pós-festa. Lembro também que o celular fazia barulho demais. Mas isso tudo eram apenas nuances. 

A relação com minha mãe é tensa. Tensa porque há amor. Tensa porque tem briga todo dia. Tensa porque somos a mesma pessoa, porém com órgãos sexuais diferentes. Sempre foi assim, sempre será. Porém o sábado reservava um deleite que até agora me faz refletir o que senti no início daquela tarde.

Minha mãe, a Vivi, tinha me deixado dito que iria passar o final de semana na praia. Falou aleatoriamente durante uma ida ao supermercado. Acho que foi isso. Eu disse: "Que bom! Tem que ir mesmo!". Ela foi.

Antes dela sair para aproveitar os dias de folga, um ato que, como disse, está presente até agora em meu cerebelo: o de abrir a porta do meu quarto, de tascar um beijo no rapaz derrotado na cama após mais uma noitada e dizer "filho, tô indo pra praia. Aproveita o final de semana!" Beijo molhado, estalado e com "bê" maiúsculo.

Esse beijo. Esse gesto.

A Vivi é sempre carinhosa comigo, apesar das gritarias lá em casa. Apesar das controvérsias do nosso cotidiano familiar. Mas esse beijo, essa despedida, me reavivou o sentimento "amor de mãe". Não, não estou dizendo que são raros estes momentos no nosso lar. Mas esse gesto de entrar no meu quarto, ir até mim, me beijar e falar ao pé do ouvido me fez lembrar a época que ela me tapava lá pelas nove e pouca da noite e dizia para um guri chamado de "pilha" por alguns que era pra eu sonhar com os "anjinhos".

Foi um mimo revival. Um mimo que está até agora me deixando impaciente com a hora de chegar em casa e dar um abraço e beijo nela e fazer a pergunta: "como foi o teu final de semana, mãe?"

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Fruki lata

No mesmo vagão que o meu. Do meu lado sentado. É ele. Não me reconheceu. Meu maior rival da 4' série. O cara responsável por inúmeros bilhetes, raiders na bunda, deboches (me chamava de flor rosa por causa do sobrenome e de pé-de-feijão) e tantas outras situações dramáticas para um menino que tava a recém entrando na puberdade. 

Ele tá fedendo, brotando suor até das orelhas. Deve tá com sede o infeliz que me azucrinava no fundamental.

Eu tenho uma imponente Fruki lata - que ele adorava tomar de mim no recreio. O mundo mundano dá voltas. Morra.